GRAFFITI
Por Eduardo de Freitas Filho
Tarde do dia 17 de maio, Cannes estava em festa. Tapete vermelho estendido, limusines chegando, flashes por todo lado, começava o desfile de celebridades e suas roupas extravagantes. O festival de Cannes é considerado um preparo para a badalada noite do Oscar, os ganhadores da palma de ouro podem sonhar com a cobiçada indicação a estatueta.
Enquanto Cannes estava em festa, o Brasil passava por momentos tensos na política. A então presidente, Dilma Rousseff, estava por um triz de sofrer um processo de impeachment e deixar definitivamente o poder. Visto por muitos como um golpe de estado e marcada por manifestações ao redor do país. Só faltava um pouco de atenção na mídia internacional. Aí é que entra o festival.
17
Maio
Festival de Cannes
Tudo pronto para a festa começar. Luz. Câmera. Aquarius. O elenco chegou ao tapete vermelho protestando contra o possível “golpe” que o país iria presenciar. Nos cartazes se lia “um golpe ocorreu no Brasil”, “resistiremos” e “Brasil não é uma democracia”.
Entre os protestadores estavam, Sônia Braga – que mora nos Estados Unidos – estrela do filme, o diretor Kléber Mendonça, entre outros diretores e atores do filme.
O filme conta a história de uma jornalista (Sônia Braga) que mora sozinha em um edifício construído nos anos 80 na beira da praia. O imóvel tem um valor sentimental para a jornalista que viveu sua vida inteira dentro daquelas quatro paredes, tanto que ela recusa toda e qualquer oferta de uma empreiteira que possui outros planos para o edifício.
O final desse filme todos os brasileiros conhecem muito bem. Aquarius ganhou a palma de ouro e a provável indicação ao Oscar, se – e apenas se - não tivesse um processo de impeachment no meio para, digamos, mudar o destino do filme.

Logo após Michel Temer assumir a presidência definitivamente, o ministério da cultura, órgão chefiado pelo presidente, divulgou o nome do finalista que iria competir ao Oscar 2017 e, SURPRESA! Como todos estavam esperando, o filme “Pequeno Segredo” de David Schurmann foi o indicado.
Oi? Não entendi. Pode repetir? Isso mesmo, caro leitor, outro filme foi escolhido, um que ninguém conhecia e que ninguém tinha ouvido falar até então. A desculpa escolhida pela banca avaliadora foi a de que a academia iria gostar do filme, pois ele aborda um tema diferente de todos os outros escolhidos nos anos anteriores.
Elenco de aquarius protestando no tapete vermelho em cannes contra o "golpe de estado" Foto: Reprodução
Conversamos com o crítico de cinema da Abraccine, Humberto Silva, para tentar entender um pouco sobre essa escolha confusa e inesperada. Para o crítico a diferença entre os filmes é a emoção que eles carregam, enquanto “Aquarius” mostra a luta de classes existente no Brasil, “Pequeno Segredo” mexe com a emoção e agrada ao público que vai ao cinema procurando um bom drama. Mas ele cita os aspectos negativos do representante brasileiro ao Oscar: “seu eventual valor artístico será criticado por quem vê no processo de indicação manobra política; já os que eventualmente o defendam, não se livrarão do estigma de que a defesa leva em conta comprometimento com um governo que chega ao poder sob a suspeita de um golpe para tirar a presidente legitimamente eleita”.
Para o crítico “Aquarius” teria sido indicado com toda a certeza se não tivesse mostrado seu lado político publicamente e, segundo as palavras do próprio, somente um ingênuo falaria que não houve influências políticas na escolha do filme: “Entendo que desconsiderar o quanto repercutiu o que foi feito em Cannes é não enxergar o óbvio. Não vamos crer que o processo de indicação tenha sido imparcial. Seria muita ingenuidade. Agora, creio que o peso da indicação recai sobre comissão da SAV, que poderia, sim, se mostrar autônoma, mas que, frágil, cedeu à pressão direta ou indireta do secretário, o senhor Alfredo Bertini”.
“Pequeno Segredo” conta uma historia nunca antes publicada pela família de velejadores Schurmann. Na trama, a matriarca da família, Heloisa (Júlia Lemmertz) e seu marido, Vilfredo (Marcello Antony) adotam Kat (Mariana Goulart), filha de um casal de amigos portadores do vírus HIV. A garota, por consequência, foi infectada pelo vírus.
O filme não foi bem visto pela critica e nem pela mídia, que em geral, o classificaram como mamão com açúcar e muito emocionante, acima de tudo, aquele que não será capaz de trazer a estatueta para casa.
O diretor do filme David Schurmann conversou com a reportagem e disse estar esperançoso e confiante para a premiação. Ele pensa que a linguagem do filme ser um diferencial é um risco que eles estão correndo, mas acredita que pode trazer o prêmio para casa. Perguntado se ele acredita que o filme foi escolhido sobre pressões politicas ele é categórico ao dizer que não acredita nessas teorias: “Eu acredito no comitê votante que era composto de grandes nomes do cinema nacional. Em minha opinião o comitê foi neutro e fez a decisão de acordo com seus critérios que eles próprios estabeleceram. Eles escolheram um filme diferente do que o Brasil tem enviado há anos”.
Em relação a suas posições sobre a politica atual, levando em conta o que aconteceu com o seu concorrente, não escolheu nenhum dos dois lados: “Eu acredito que todos os lados estejam errados. Eu sou contra a corrupção, a ditadura, e o fascismo. Sempre digo, dois errados não fazem um certo. Minha opinião politica é a que devemos ter uma reforma politica e leis firmes para se combater a corrupção. Só assim teremos um pais justo”.
A reportagem tentou entrar em contato com o elenco e a direção do filme “Aquarius” durante os meses de outubro e novembro, porém, nenhum deles retornou nossos e-mails e ligações.
Como bons brasileiros que somos estaremos na torcida para que o filme consiga agradar os olhos dos gringos e trazer o prêmio para casa. Agora o que nos resta é pegar o balde de pipoca, sentar, torcer e esperar este filme terminar. Mas o Vem de Cultura adverte a trama relatada nesta reportagem não tem prazo de término.
